Último metrô do dia. Ele entra, puxa seu livro e senta como sempre no fim do vagão, de lado, com as pernas em cima do banco e as costas contra a parede. À sua frente está um casal se agarrando e beijando. Ela tem um vestido preto e pernas brancas. Ele é alto e tem cabelos longos que praticamente esconde a menina.
O metrô começa a andar. Ele continua entretido em seu livro. Não porque seja maravilhoso, mas porque já é a terceira vez que tenta ler e não quer desistir mais uma vez. É questão de honra. O livro se arrasta com linguagem rebuscada e falar afetado, tornando o sono algo quase tangível de tão forte que exala do livro.
Do outro lado, pelo canto do olho ele percebe que ela teve a parte de dentro de suas pernas invadidas pela mão do cabeludo. As coxas são mais brancas do que as canelas. Quase brilham.
Uma dupla de mulheres feias e faladeiras entra no vagão e se senta ao lado deles. Eles se acalmam um pouco para logo a seguir voltarem à sofreguidão dos abraços e beijos. A dupla de barangas se sente incomodada e muda de assento.
Páginas são lidas sem que se saiba o que estava escrito. Os olhos continuam a leitura, mas o cérebro não codifica mais as imagens em texto. Num esforço de concentração, ele começa a ler de si para si, bem baixinho. Funciona. Por um tempo.
Outra espiada de canto de olho e ela está só, dando adeus ao cabeludo pela janela. Ele realmente parece o primo It da Família Adams. Pela primeira vez ela é loira. Oxigenada, mas não é mais apenas um par de pernas sendo invadidas pelas mãos do Capitão Caverna.
Segue a leitura. Fim de mais um capítulo. Sobre o que se tratava mesmo? Ler baixinho não está mais funcionando. Vou ler de novo este episódio. Ah, foi isso que eu li? Humm. Chega! Isso não vai me levar mais a lugar algum. Amanhã eu continuo.
Ele senta-se direito no banco e fica de frente para o lado oposto do carro. Ela ainda está lá. Parece meio incomodada pela falta de alguém a cobrindo. Meio que como uma pessoa com frio de quem acabaram de tirar o cobertor com o qual se cobria. Deve ser por isso que abraça a si mesma. O rosto baixo, coberto pelo cabelo loiro.
As estações passam, mas o metrô parece não sair do lugar. Que demora irritante! A essa hora da noite não há mais ninguém nas estações, anda logo! Ele repara então nela. Uma nesga dos olhos apareceu sob a cabeleira de palha. Escuros. Quase não há branco nos olhos dela.
Percebendo ser vigiada, ela se encolhe no banco e aperta os lábios, como que de dor. Não deve estar acostumada a chamar atenção. Parece um bichinho assustado, encurralado num canto esperando seu destino. O abraço fica mais apertado.
As duas últimas estações ele passa admirando aquela cena. Os cabelos de palha cobrindo os olhos sem branco, o vestido preto brigando contra a brancura de suas pernas e braços, a boca apertada em dor.
Chega sua estação. Ele levanta antes de o metrô parar e se dirige à porta. Ela abre. Antes de sair ele vira, olha para ela, ela percebe e olha pra ele. “ Você é linda.” Fecha a porta. Cara, estou podre! Vou chegar em casa e desmaiar na cama.
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