quinta-feira, outubro 27, 2005

O poder

Ele estava apenas acompanhando os amigos – eles viviam lhe torrando a paciência que saísse com eles, pois, desde que começou a namorar ficou sem tempo pra turma. É verdade. Pra ele, a diversão bastava ela.

Mas seus amigos, todos solteiros ou descompromissados com suas namoradas, não compreendiam muito bem isso. Para satisfazê-los apareceu na boate naquela noite. A bem da verdade que era só pra pararem de lhe pentelhar, mas que importava? Lá estava ele, com os amigos, como nos velhos tempos de caça.

Mentira. Não era como nos velhos tempos. Simplesmente porque não estava à caça. Não ficou o tempo todo procurando mulheres em quem dar uma cantada. Ficou curtindo a música e seus amigos. Nesta ordem.

Em determinado momento percebeu que um a um seus amigos tinham se agarrado com alguém num canto escuro da pista de dança. Não que isso lhe incomodasse (cria até que dessa forma era melhor), mas o último que restou ao seu lado não tinha a menor previsão de sair dali.

Em outros tempos, eles seriam os últimos a conseguir mulher – provavelmente nem conseguiriam. Por isso tinham um acordo de cooperação: um ajudar ao outro o quanto pudesse. Ele não estava mais no jogo, mas isso não o impedia de ajudar a seu amigo.

Quando chegou a hora não pensou duas vezes. Seu amigo lhe apontou uma dupla de meninas e falou “vou na loira, vc conversa com a morena.” – “Ok”. E lá foram eles. Seu amigo se apresentou pra loira enquanto ele puxou assunto com a morena.

Alguma coisa estava diferente. Ele não apresentou o nervosismo habitual – falar com uma menina demandava um enorme autocontrole, elas eram maravilhas da natureza e ele apenas um pobre mortal. Como pode o pobre mortal conversar com a plenitude da beleza?

Mas naquela noite isso não ocorreu. Conversou de igual pra igual com a morena. Seu amigo continuava suando em bicas, tentando se convencer que merecia aquela beldade pra poder convencê-la a ficar com ele. Mas ele não, apenas conversava.

E nisso ele era bom. Ficou conversando um bom tempo. Seu amigo levou seu fora de costume, mas ele nem percebeu, continuou conversando com a morena.

Como aconteceu isso? De onde veio essa confiança? Não, não era confiança. O que faltava era o peso da obrigação de ser bem sucedido, de catar uma mulher. Sem isso, ele apenas era simpático, tinha um papo interessante e educado.

Ele não sabe como aconteceu. Em determinado momento ele se percebeu num emaranhado de braços e pernas, línguas e dedos, boca e mais boca. Quando acabou, levantou-se e olhou a cena: ela de bruços, suada e com restos dele entre as pernas.

Olhou pra si e viu a si mesmo encolhendo após o ato, quase como que com vergonha do que tinha acabado de fazer. Não sabia se era por isso que encolhia, mas ele tinha certeza de que estava com vergonha. Piorava a situação aquele corpo de bruços, como se fosse um cadáver com uma poça branca entre as pernas.

Rapidamente buscou uma toalha e, com muito cuidado, a colocou sobre a bunda dela, cobrindo a sujeirada toda. Sentiu-se um pouco melhor. Havia escondido a cena do crime.

Bastava agora explicar-se como tudo ocorrera. Como contar para a namorada? O que contar para namorada?

A verdade é que não fora ele quem fizera aquilo. Fora seu eu confiante, seu eu “já tenho mulher, não preciso de você”, seu eu “você é apenas como uma garrafa de cerveja: para ser sorvida e jogada fora”. E era isso, percebeu naquele momento, que lhe faltava em suas noites de caça.

Mas já sabia que não adiantava saber, precisava sentir. E, com o crime cometido, sabia que não poderia mais sentir aquilo, não seria mais verdadeiro. Perdera seu poder, logo agora que mais precisava: perderia sua namorada em breve, já sabia.

Assim, compreendeu que era esse o seu fardo como homem: só ter poder sobre as mulheres quando estiver comprometido. Usar do poder é perdê-lo...